Isto de ser Mulher

4.7.18



Terá esta foto algo a ver com a mensagem deste texto?
Que me dizes?

Existem dias em que eu acordo e tenho apenas vontade de conversar sobre todas as questões existenciais (ou não) que me preenchem o pensamento. Como neste momento estou sozinha, apesar dos três filhos que ainda dormem, é aqui que venho deixar tudo aquilo que me apetece dizer mesmo sabendo que infelizmente a interacção nos blogues hoje em dia é cada vez mais reduzida.

De todas as maneiras, hoje queria conversar sobre a nossa realidade, a de ser Mulher. Sim, infelizmente nos dias de hoje ainda existem realidades definidas pelo sexo (e não só, mas é disto que quero falar).

Já lá vão quase três anos que tomámos a decisão que eu precisava na altura, a de deixar o mundo profissional, deixar o stress que o último emprego me estava a provocar, as mais de 10 horas fora de casa. Quando digo tomámos é isso mesmo, no plural, decisão tomada pelos cinco, cada um conhecedor dos prós e contras que iriam afectar a nossa família, o nosso estilo de vida.
Lembro-me como se fosse hoje, ouvir de quem nos conhecia a célebre frase "Tu és louca, os filhos crescem e depois tu para voltares ao mercado de trabalho vai ser impossível que ninguém te aceita".
Eu sorri sempre e respondi com a maior das convicções " O que terá de ser será ".

Um ano depois e por mera coincidência comecei a tomar conta de crianças para uma associação, nunca mais de duas. Eu queria ter tempo, para elas, para os meus e para mim. Essencial.
Nunca o fiz por dinheiro porque se assim fosse estava longe de um ordenado, se vos interessar um dia posso falar-vos desta actividade e das suas condições aqui na zona da Suíça onde vivo.

O tempo fez-me acompanhar os meus filhos que hoje já são uns pré-adolescentes tão responsáveis e autónomos que até a mim me custa não vê-los mais totalmente dependentes de mim. Eu sei que é egoísta da minha parte, mas quantas Mães conseguem vê-los independentes e não sentir aquele aperto, mas também aquele orgulho. Um misto de sentimentos que nos deixa sempre de lágrima no olho e sorriso rasgado na boca.
O tempo fez-me também perceber que eu preciso de desafios, que preciso de conquistas profissionais e que por muito que o meu cérebro mergulhe entre as páginas dos muitos livros que me acompanham ele precisa de mais. E posso dizer-vos que já há muitos anos que eu não conseguia ler livros sem semanas em stand-by.

Sem pressas ou pressões conversei mais uma vez com os meus e expliquei-lhes a necessidade que eu sentia. Eles disseram cada um com as suas palavras que aquilo que me fizesse feliz era o que eles aceitariam sempre.
Decidi que iria procurar trabalho. Com a cabeça cheia das palavras que fui ouvindo dos outros durante estes anos, por muito que digamos que não nos afectam as palavras ficam na cabeça e nos nossos momentos de medo elas tentam assombrar-nos. - "Arranjar trabalho depois destes anos fora do mercado de trabalho não vai ser fácil" (Como se eu alguma vez na vida tivesse escolhido facilidade ahah); - "Estás desactualizada"; - "Cada vez há menos trabalho, só despedimentos atrás de despedimentos"; - "Só se arranjares noutro cantão e voltas às duas horas de trajecto".
Foram estas as frases que saltaram na minha cabeça no dia em que abri o computador para redesenhar o meu CV, para assumir com toda a convicção a escolha de há quase três anos atrás, a de sair do mercado de trabalho e dedicar às paixões da minha vida.
Enviei apenas três emails. Para empresas situadas a menos de 20 minutos de distância. E ri-me sozinha ao pensar "Ana tens uma lata do caraças".
Fechei o computador, estendi roupa, arrumei louça e voltei à vida que tinha como consequência boa da escolha que fiz há uns anos atrás.

Na semana seguinte, quarta-feira, eram 9 e pouco da manhã, toca o telefone, número privado. Atendi sem sequer me passar pela cabeça que poderia ser ligado a trabalho.
Uma voz feminina apresenta-se, fala-me do seu interesse em marcar uma entrevista às 8h30 na terça-feira seguinte. De sorriso nos lábios, característica tão minha, respondo-lhe que lá estarei.

Conto tudo aos meus e o meu marido com a confiança que me tem diz-me "Pronto, já estás de volta ao mercado de trabalho". Eu digo-lhe "Nada disso, é só uma entrevista". Ele como sempre, crê em mim como nem eu sou capaz de fazer, responde-me "Sim, 'tá bem. Achas que não sei quem tenho na minha vida". E rimos juntos.

São 8 horas, pego na bicicleta e sigo caminho, 15 minutos depois chego à porta da empresa. Prendo a bicicleta, ajeito a roupa e o cabelo. Sinto o nervosismo subir até ao peito, os medos a tentarem invadir o meu pensamento. Paro e obrigo-me a respirar fundo e sobretudo a sorrir. Obrigo-me a passar para o lado positivo sem ter de dar provas a quem quer que fosse.
Toco à campainha e apresento-me à senhora que me recebe. Pede-me para aguardar numa sala.
De maneira descontraída entra a Elodie, aquela que me contactou via telefone e que me irá agora receber. Nunca vi entrevistas como algo parecido a um questionário. Eu estava ali para conhecer aquela empresa e ela para me conhecer a mim.
Falei, sorri, brinquei e acima de tudo assumi convictamente todas as escolhas por mim feitas até àquele momento em que me encontrava face a ela.
Ela sorria enquanto me ouvia, perguntei-lhe acerca de horários e ambiente de trabalho. Pontos que para mim são ainda mais importantes que um salário mais ou menos elevado que aqueles a que estava habituada.

Vinte minutos depois ela pede-me que aguarde pois gostava que o Director me conhecesse.
E eu ali fiquei sem ponta de stress, incrível como respirar bem fundo e sorrir acalma até o espírito mais irrequieto.
Ele entrou, de sorriso rasgado e com uma energia tão positiva e contagiante que naquele momento eu senti-me no sítio certo, no momento mais preciso.
Que conversa agradável eu tive durante mais meia hora. Desde a empresas por onde passei e ele estudou até acabarmos com o tema que tanto defendo, o feminismo, a posição da Mulher nesta sociedade ainda tão machista onde vivemos. Sim, eu vivo numa vila pequenina onde o pensamento retrógado machista ainda está muito presente infelizmente.
Ouvir aquele Homem dizer que cresceu numa família feminista e que acredita piamente que as Mulheres são tão capazes quanto os Homens fez-me querer trabalhar ali naquele preciso momento, sem saber de valores ou detalhes mais "profissionais".
Vê-lo elogiar o meu percurso, dizer-me que era raro encontrar alguém como eu nesta vila e que o meu cv poderia até meter medo a alguns patrões por aqui fez-me sorrir sempre. Mas, mais feliz fiquei quando me disse que ver gente que assume sem medos as suas escolhas, que desenha a vida como quer faz com que ele queira trabalhar de imediato com pessoas assim. Autodidactas foi como nos definiu.
No fim, no aperto de mão agradeci-lhe não pela entrevista, mas sim por me ter recebido para uma troca tão agradável.
Enquanto pedalava sorria. Não pensei sequer se seria ou não escolhida, o meu cérebro estava naquele momento impressionado com o meu coração cheio de felicidade, de sorrisos, de sabedoria e de amor pela vida.
Juro-vos que ali, naquele momento eu sentia apenas felicidade não só pela energia, mas também por ter encontrado naquela manhã pessoas tão positivas e cheias de luz que me alimentaram de uma maneira que há muito o ser humano não o fazia.

Naquela tarde, perto das 17h recebo um email que me dizia o quanto gostaram do nosso encontro e que ficariam muito felizes de me ter na sua equipa.
Confesso que chorei, de felicidade. Não só pela conquista, mas por perceber que o meu coração esteve certo, que fiz tão bem em não dar ouvidos a quem vive no medo. Que uma boa respiração e o sorriso fazem milagres.

Porque vos conto isto? Para vos dizer que quando estamos convictos das nossas escolhas, quando temos certezas de estar a desenhar o caminho certo, nada nem ninguém nos deve ou pode travar.
Acreditar em nós nem sempre é fácil, mas guarda por perto quem te dá a mão, quem sorri contigo e quem enxuga as tuas lágrimas quando te sentes invadida pelas inseguranças que todas nós temos.

Miúda, nós somos Mulheres. Mulheres aquele ser capaz de tudo. E disso nunca duvides mesmo que lá fora todos gritem o contrário. Nunca te sintas menor, nunca te escondas porque nasceste Mulher, afinal tens nas mãos um dos maiores poderes, fazer a diferença para marcar e mudar uma sociedade que ainda não entendeu a riqueza que é uma sociedade mista.

Ah! Pronto, daqui a um mês abraço novamente um projecto profissional mesmo tendo estado "ausente do mercado de trabalho" durante três anos. E perceberam que estou a trabalhar na vila onde moro? A 15 minutos de bicicleta e por trás da escola dos miúdos? Continuaremos a tomar todas as refeições juntos. A vida é do caraças.

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12 comentários

  1. Muitos parabéns para o teu novo projeto, imagino que estejas muito feliz! Fiquei curiosa para saber como funciona a atividade de cuidadora aí na Suíç. Beijinhos

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    1. Olá Carla!
      Prometo nos próximos dias fazer um post sobre as condições de ama aqui na zona da Suíça onde vivo.
      Beijinhos

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  2. Que booom!!! Quem me dera ter sempre essa paz de espírito essa confiança e esse sorriso nos lábios, tu és grande miuda;)

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    1. Minha Lúcia olha quem fala. Claro que tens porque és uma Mulher e pêras!
      Sorri miúda que tu és linda!
      Beijinhos

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  3. Adoro a forma como escreve, fala directamente ao coração. Obrigada por ser uma inspiração, pelas palavras tão positivas! Estou a passar uma fase menos positiva e virei ler este post mais vezes, para me inspirar! Beijinhos

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    1. Olá!
      É tão bom ler palavras, comentários assim, juro que é!
      Acho que escrever como se fosse uma conversa entre amigos, sem filtros torna tudo mais próximo e é assim que quero sempre ser e estar.
      Beijinhos

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  4. Renata Muniz04/07/18, 02:28

    Que lindo, me emocionou. Mas acima de tudo, me motivou. Eu também estou em casa ha 04 anos por ter escolhido ficar 100% presente para meu filho em seu começo de vida. Mas confesso que também está chefcheg o momento de retornar para o mercado de trabalho. Amei seu texto e parabéns pelo emprego.

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    1. Olá querida Renata,
      Sabes, eu sou daquelas pessoas que dou sempre o mesmo conselho quando me perguntam se eu acho que é o momento certo para tomar X ou Y decisão.
      Digo sempre, ouve-te. O que diria a tua consciência a ti própria? Sem filtros, sem opiniões alheias. Só tu e tu. Aí saberás logo se te sentes com vontade de sim ou não mudar algo na vida.
      Um grande beijinho

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  5. Que maravilha! O universo conspira sempre a favor de quem merece
    Parabéns e boa sorte ❤️

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    1. Eu acredito piamente que a energia que espalhamos é a mesma energia que recebemos.
      Um grande beijinho

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  6. Bom dia Ana! Este texto fez-me cair as lágrimas pela cara abaixo. Estou feliz por ti, e pela força que tens. E nem nos conhecemos!! Queria poder acreditar tal como tu mas neste Portugal é difícil. Beijinhos e tudo de bom ��

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    1. Acredita sim miúda e afasta esse pensamento de que é "dificil".
      Olha eu vivo numa aldeia/vila super pequena. Existem duas empresas da minha area na minha vila e eu durante um tempo sempre achei que estaria "condenada" a trabalhar longe de casa. Até ao dia em que eu disse que tinha de parar de pensar assim e tentar. Tentei. E deu certo.
      Tenho a certeza que também conseguirás! Acredita.
      Beijinho grande

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